VOCÊ É UM NÚMERO

Por Michely

Em um mudo cada vez populoso porém cheio de vazios existenciais é necessário refletir a cada momento nossa vida, nossa prática, nossa trajetória.
Ao participar de reuniões de pais... pois além de pedagoga sou mãe, percebo muito frequentemente a frieza com que os professores se referem ao desempenho dos alunos.
"Ela está em dependencia mãe, faltaram 0,3 décimos para chegar a 7,0".
Isto me faz pensar nos objetivos da educação e principalmente na clareza de nossos colegas ao relatarem estes fatos.
É preciso lembrar que - e aí vai a dica - ao planejar uma aula ou delimitar os conteúdos a serem trabalhados, precimos saber onde queremos chegar. "Pois se não sabemos qualquer caminho serve".
Professor, pergunte-se:
- conheço as especificidades da faixa etária que me propus a trabalhar?
- entendo as limitações socias, economicas, psicológicas e educacionais do grupo que trabalho em minha escola?
- com relação a disciplina que leciono, como posso estimular o desenvolvimento de jovens conscientes de sua realidade?
Confesso que tenho outras tantas perguntas a sugerir, mas estas me bastam para discutir o tema.
É necessário "listar" os objetivos e metas e concluir: que habilidades e competências tenho como objetivo que meus alunos adquiram ao longo do ano ou de um período determinado?
Feito este questionamento você vai planejar e desenvolver atividades individuais ou em grupo para chegar ao resultado que você como professor de propos.
Sendo assim, como mensurar ou quantificar as deficiencias correspondentes a 0,3 décimos???

Fica o fragmento do texto de Clarice Lispector para pensar ainda mais o assunto.

VOCÊ É UM NÚMERO


Se você não tomar cuidado vira um número até para si mesmo. Porque

a partir do instante em que você nasce classificam-no com um número. O

registro civil é um número. Seu título de eleitor é um número. Profissionalmente

falando você também é. Para ser motorista, tem carteira com número,

e chapa de carro. No imposto de Renda, o contribuinte é identificado com

um número. Seu prédio, seu telefone, seu número de apartamento – tudo é

número.

.... Uma amiga minha contou que no Alto Sertão de Pernambuco uma

mulher estava com o filho doente, desidratado, foi ao Posto de Saúde. E

recebeu a ficha número 10. Mas dentro do horário previsto pelo médico a

criança não pôde ser atendida porque só atenderam até o número 9. A criança

morreu por causa de um número. Nós somos culpados.

Se há uma guerra, você é classificado por um número. Numa pulseira com

placa metálica, se não me engano. Ou numa corrente de pescoço, metálica.

Nós vamos lutar contra isso. Cada um é um, sem número. O si-mesmo é

apenas o si-mesmo.

E Deus não é número.

Vamos ser gente, por favor. Nossa sociedade está nos deixando secos

como um número seco, como um osso branco seco exposto ao sol. Meu número

íntimo é 9. Só.8 Só. 7. Só. Sem somá-los nem transformá-los em novecentos

e oitenta e sete. Estou me classificando com um número? Não, a

intimidade não deixa.

Vejam, tentei várias vezes na vida não ter número e não escapei. O que

faz com que precisemos de muito carinho, de nome próprio, de genuinidade.

Vamos amar que amor não tem número. Ou tem?

In “A descoberta do Mundo” p. 394/395